Dirigido por Alice Rohrwacher
Happy as Lazzaro ganhou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes ano passado. Não é para menos. Essa história que segue uma linha narrativa bastante similar ao cinema de Pier Paolo Pasolini na sua primeira metade, e de repente entra num campo quase que de fantasia a la Guillermo del Toro, é riquíssima em simbolismos e metáforas.
Em suma acompanhamos o cotidiano de Lazzaro, um jovem que trabalha e vive em uma fazenda nos campos italianos, junto de diversas outras pessoas, de idosos a crianças. O que aparentemente são flores, passamos a entender na grande virada do filme, que não é bem assim. Mas o foco é o protagonista, que possui uma inocência quase que patológica e nos faz questionar a nossa visão sobre muitas questões pessoais. A mais forte talvez venha como um tapa empático na nossa cara ao nos identificarmos com pequenos atos que todos os personagens do filme tem com o protagonista. A identificação para, ou pode parar, por ai, nessas breves passagens, pois o roteiro vai além e mostra como as pessoas se aproveitam da boa vontade de Lazzaro, de uma maneira que beira (?) a maldade.
O que fica para debate é que basta colocarmos uma pessoa 100% pura no meio de um grupo, que o pior do ser humano vem a tona. Seja por inveja, raiva, falta de paciência ou qualquer outro sentimento negativo, coloque alguém para te servir e sinta a soberba subir a sua cabeça. Pelo menos, a grosso modo, é isso que o filme transmite. E por nos identificarmos em alguns momentos, sentimos mais nojo e raiva ainda de cada uma dessas pessoas. Exceto por Lazzaro, um santo. Daí a inveja. Esse tapa acaba criando um exercício interno de empatia no expectador e, por fim, nos emociona. Ou seja, missão cumprida.
O jovem protagonista pode até ser encarado como alguém com uma mentalidade atrasada, o que só piora a falta de boa vontade para com ele. Em termos mais amplos e filosóficos, Lazzaro esta nessa história para representar a pureza e a bondade ilusória que sempre buscamos. Aonde nos perdemos na busca por essa "perfeição imaculada" e até onde esse desvio é saudável e até mesmo necessário? Onde nos corrompemos e porque?
Além disso existem diversas pinceladas sobre exploração trabalhista, diferenças de classes e outros comentários políticos que são extremamente pertinentes. O roteiro consegue englobar todas essas frutas numa salada gostosa e leve de se experimentar. É um filme longo, porém fácil. Passa rápido. Terminamos a sessão com a sensação de que fizemos o dever de casa.
Com uma direção que sabe contemplar e direcionar o nosso olhar ao que importa, trazendo para perto, em seu ato final, o cotidiano do que pensamos ser muito distante, Happy As Lazzaro é uma aula de sociologia e filosofia. Fica a impressão de um contemporâneo conto de fadas a lá Irmãos Grimm pós revolução industrial com um cenário rural de fundo. E no final voltamos ao título do filme, Lazzaro Felice. Um belo de um exemplo a se seguir.
Comments