Dirigido por Chang-dong Lee
Esse é o representante do Oscar da Coréia do Sul do ano que vem. Não é a toa. Além de ser um filme devagar que vai sendo digerido aos poucos, é também lentamente absorvido em toda sua essência após a assistida. É um filme de suspense embora não pareça, a primeira vista, um filme tenso.
Não tem como contar a história sem cair em spoilers então vou resumir apenas em: um homem e uma mulher se envolvem e um belo dia, após uma viagem à África, ela volta com um novo amante, um homem riquíssimo e estranhamente relaxado. Talvez seja tudo que você precise saber para entrar nesse filme. Além disso, o filme fala sobre informação e como lidamos com o que temos. O protagonista possui o mínimo de informações possíveis sobre o personagem de Steven Yeun, o eterno Glenn de The Walking Dead. Aliás ele entrega um trabalho elegante e charmoso, mas com um sorriso que sempre parece que tem algo a esconder. Aquele cara misterioso que não temos como não nos envolver. Nós, os expectadores, possuímos exatamente o mesmo conhecimento e entendimento do que se passa (ou pode se passar) do outro lado por acompanharmos a história sob o olhar do tímido jovem aspirante a escritor. A partir disso se desenvolve a questão dos detalhes, pois o filme tem toda a calma do mundo ao apresentar pequenos pontos que vão formando a nossa opinião, e do protagonista à respeito do que está acontecendo.
De forma bem vagarosa vamos recebendo peças de um quebra cabeças super complexo. Só que essas peças nunca parecem completas e no final acabamos por entender que existe mais de uma maneira dessas peças se encaixarem. Cabe a nós e a nossa interpretação dos fatos, saber como vamos sair dessa história. Não espere um final mastigadinho. Essa não é a idéia. Não temos um vilão, um mocinho e uma vítima como superficialmente pode parecer. Tudo pode ser o contrário. Se apegue aos detalhes e monte a sua história. Mas acima de tudo, sinta e aproveite cada segundo desse filme pois é realmente uma experiência única. Em determinado momento nos sentimos sugados para dentro daquele mundinho, junto com os três personagens centrais.
Um momento chave do filme se torna uma das coisas mais deliciosas que assisti no ano. Os três sentados na porta de casa assistindo ao pôr do sol e conversas e danças acontecem nesse meio tempo. Você sente o vento daquele lugar, sente o cheiro daquele mato e até mesmo entra na onda da maconha que eles fumam. Ao mesmo tempo que sentimos o total conforto em um primeiro momento, vamos passando para o final dessa cena, onde as coisas vão ficando estranhas e suspeitas, culminando em uma sensação de desolamento e abandono. Mas nada é clichê ou óbvio. Tudo está nas nuances. Tudo isso conquistado pela direção super paciente, que mostra segundo por segundo desse fim de tarde. A luz vai baixando as poucos conforme a atriz dança sem camisa. A fotografia lindíssima explora naturalmente a penumbra que chega. Quando chegamos ao final dessa cena central, podemos respirar de novo.
Dessa parte em diante entra o climão mais denso do filme, sem nunca abandonar o suspense lento e silencioso que a trama possui. A catártica cena final causa ao mesmo tempo um choque e um clique sobre o que pode ter acontecido. Saímos pensando que o filme acabou do nada mas minutos depois percebemos que muito mais foi dito nas entrelinhas e na montagem do filme do que aparentemente compreendemos. Eu amo filmes sul coreanos pela sensibilidade e humanidade como as histórias são contadas. Também pelo fato de apresentar a maneira diferenciada que os orientais se relacionam e reagem. Burning faz isso e vai além, ao mostrar um personagem que segue a cartilha ocidental e isso entra em conflito e gera o ponto de início para causar o estranhamento do personagem principal. A narrativa é muito artesanal e isso transparece nos mínimos e sutis detalhes ao longo das duas horas e meia.
Em Chamas é diferente do que eu esperava pois apresenta um thriller intrigante só que com ritmo e elementos de um drama. Com uma fotografia naturalista, granulada, e pontualmente colorida, causa uma imersão mais crua e fria do expectador e faz a gente, além da vontade de continuar a história nas nossas mentes após o final, sentir o amor mais puro pela arte do cinema, que volta e meia nos brinda com uma celebração técnica e narrativa como nesse caso.
Burning, pela Coréia do Sul e Shoplifters, pelo Japão, TEM que estar entre os selecionados ano que vem na categoria de filmes estrangeiros.
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