Dirigido por Bo Burnham
Cuidado, se você sempre foi uma pessoa introspectiva e tem dificuldade de se impor ou até mesmo se comunicar com pessoas, Eighth Grade pode te tocar de forma potente.
Basicamente é um "coming of age movie". Só que um dos mais precisos e realistas que já vi. Nada é plástico nesse filme. Até os personagens que praticam bullying na protagonista são palpáveis. Inclusive o próprio bullying não segue o clichê agressivo de sempre. É uma coisa muito mais velada, nas entrelinhas, que atinge a personagem principal muito mais através do silêncio e da indiferença do que de comentários ofensivos. Ela é invisível para todos da sua escola. E é isso que a machuca. Em determinado momento, o colégio, na tentativa de ser descolado (ótimas cenas de professores tentando conversar com os pré-adolescentes) lança um premiação "dos mais" da turma. Kayla, a nossa protagonista, recebe o prêmio de "mais calada". Isso acaba com ela. E é aí que a construção da personagem fica mais interessante.
Kayla tem muitos sentimentos e pensamentos que a tornam única. Traços de sua personalidade são espertamente colocados ao longo do filme. Ela sabe disso, mas ao mesmo tempo, de forma quase paradoxal, ela quer se sentir pertencida e para isso, se anula ao tentar seguir o que é "cool". Kayla tem um canal no Youtube onde ela coloca dicas de comportamento. Só que de maneira brilhante, o diretor intercala alguns de seus vídeos com momentos onde ela se comporta justamente da maneira oposta a suas mensagens de auto ajuda. Aquela idéia de "faça o que eu digo, não faça o que eu faço".
Isso mostra o surgimento do amadurecimento ao entrar no ensino médio. Ela começa a entender o que torna uma pessoa forte, determinada e com amor próprio. Mas também não consegue aplicar esses conceitos na sua própria vida pois é uma menina travada, simples assim. O mais legal é ver que ela consegue superar alguns obstáculos justamente se forçando a tomar algumas atitudes. Conseguimos sentir na pele o esforço que é simplesmente virar a falar com alguém as vezes. Nos pegamos apreensivos o tempo todo a cada decisão que Kayla toma para quebrar sua timidez.
Elsie Fisher arrasa nesse papel de estréia, mostrando de forma brilhante tudo que passa pela sua cabeça, através do olhar e expressões corporais. Quando ela interage com algum colega de turma, suas falas são todas atropeladas e truncadas. Nada faz sentido. Ela gagueja e se embola por completo. Qualquer pessoa mais compreensiva consegue se apaixonar por Elsie Fisher como Kayla aqui. É impressionante ver o trabalho complexo que essa atriz tão nova conseguiu desenvolver. Merecia uma indicação facilmente.
Além dessa pérola de roteiro que fornece um entendimento muito claro do que é essa complexidade precisamente adolescente, o filme tem uma trilha sonora excelente e extremamente forte, que sabe quando e como entrar. Tem um "q" de inspiração nos anos 80 com seus sintetizadores. E a direção também, que sabe unir muito bem os gêneros de comédia e drama. Cenas engraçadíssimas (muitas envolvendo o pai, que é igualmente sem jeito, o que ajuda muito na construção da própria protagonista pois percebemos da onde vem essa característica) dão espaço a momentos sinceros, puros e emocionantes. E vice versa.
Obrigado por esse filme existir e tentar passar um pouco do que é ser um jovem introspectivo e retraído no colégio. Eighth Grade é um incentivo a buscar cada vez mais sua própria personalidade e deixar essa falta de expressão pessoal, recorrente entre youtubers e a vida no Instagram, de lado. Uma das melhores coisas que vi no ano, aos 45 do segundo tempo. Recomendo a todos que se sintam representados e aos que não se sentem, que sirva como um retrato de empatia. Estamos precisando hoje em dia.
Nota máxima!
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