Dirigido por Josephine Decker
Madeline's Madeline é um filme complicado a princípio. Demoramos para entrar nessa narrativa conturbada, mas quando conseguimos entender a idéia, o filme passa a valer.
Madeline é uma jovem que tem um histórico complicado em termos de saúde mental, que nunca fica claro para nós. Só o suficiente para tocar a história para frente. Sua mãe coloca ela em uma cia de teatro "experimental" a fim de ressocializar a menina. A professora do grupo então começa a montar uma peça, e realidade e inspiração se misturam.
Não é um filme "nonsense" nem nada do tipo, mas é uma experiência complicada. A câmera está quase sempre em planos fechados nos rostos dos personagens, principalmente no da protagonista. As vezes focando em detalhes das mãos ou da boca, por exemplo, enquanto acontecem os diálogos. Nunca acompanhamos uma cena banal de plano e contra plano. Seus movimentos bruscos e picotados incomodam muito até entendermos que estamos na mente quebrada de Madeline. Ai tudo faz sentido e passamos a sentir o filme da forma como ele foi concebido. A câmera conversa com essa esquizofrenia da personagem principal.
Assim, a diretora explora de forma criativa e imersiva temas como doença mental, construção de personagens e principalmente a relação da arte com as suas inspirações. Até onde a ética entra nisso? Em que momento se inspirar na vida de alguém passa a ser exploração? Evangeline, a professora de teatro, antagonista do filme, segura o poder de surtir essas discussões. Ao mesmo tempo existe toda uma correlação entre Evangeline e Regina, a mãe de Madeline. Regina é uma mulher branca, que teve dois filhos com um homem negro, um deles a jovem que dá o título do filme. Evangeline por sua vez, é uma mulher branca, que está grávida de seu marido negro. Logo no início Evangeline diz para Madeline que sonhou que era sua mãe. Existe portanto essa questão de espelhamento e até mesmo receios em relação ao filho que está por vir. Surge o sentimento de compaixão e exploração indireta de Evangeline sobre Madeline. São duas personagens extremamente complexas e com uma relação especialmente perturbada, mas que o tempo inteiro se complementam e se ajudam de certa forma.
Passamos a questionar, a partir da metade do filme, até onde essas aulas de teatro, que serviam a princípio como uma forma de terapia para a protagonista, de fato a ajudam. O ambiente fica tóxico. E o expectador consegue sentir cada vez mais essa inquietação. E quando chegamos na parte final, um momento catártico (não tão) metafórico avulso, que percebemos o que o título do filme significa. E também temos um fechamento (uma lição definitiva por assim dizer) nada convencional da história de Evangeline. Só assistindo pra absorver a complexidade dessa história.
Vida e arte se misturam nesse filme cru, realista, cotidiano e intrigante. Porém muito difícil de assistir se você não se interessa muito por esse tipo de arte mais abstrata que o filme mostra. Não em sua técnica mas nos temas que aborda. Acho, inclusive, que o público que mais tem potencial para se identificar sejam atores de teatro, o que não é meu caso. Por isso foi uma experiência complicada e inquietante, ainda que bastante válida.
Claustrofóbico do início ao fim, de uma forma libertadora, por mais contrastante que essas ideias pareçam.
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