Dirigido por Boots Riley
Sorry To Bother You começa como um filme de comédia descompromissado e vai, cada vez mais, entrando no campo do "nonsense trash" até o seu final escrachado. Todas essas nuances funcionam perfeitamente. É difícil dizer do que se trata esse filme sem cair no campo dos spoilers então recomendo assistir o trailer (abaixo) antes de ler.
O diretor estreante mostra que tem muito a dizer e possui um pulso firme e corajoso ao desenvolver essa idéia. Ele não parece ser vendido ao comum ou ao clichê em momento algum. O roteiro possui ideias super ousadas e se mantém fiel na forma que dirige toda essa falta de compromisso com a realidade.
O filme é riquíssimo em críticas sociais, mas nunca se perde por querer atacar muitas questões. Coisa que um diretor estreante poderia cair facilmente. Ele traz o racismo (tanto o institucional como o individual) como carro chefe. A sacada da "voz branca" é simplesmente genial e dá um ar cômico incrível, por inverter a expectativa e transformar o que é visto como o "normal" em caricato. Geralmente são os negros que são explorados com todos os estereótipos possíveis. Aqui são os brancos que ficam expostos. O riso é sem culpa. Mais para a frente em uma cena em que uma platéia de pessoas brancas ficam esperando que o protagonista, negro, faça um rap improvisado, já que ele é negro, Boots Riley reverte seu método novamente. Ele pega a forma como os brancos enxergam os negros e despe a idéia de um jeito que nos faz rir e incomoda ao mesmo tempo, nos causando uma auto reflexão gostosa.
Além disso ele critica, talvez mais forte ainda, todo o sistema capitalista e como as relações se dão nesse mundo globalizadíssimo, escancarando todas as possibilidades e possíveis contradições que podemos cair (a personagem feminina sendo a maior representante disso). Tudo isso focando principalmente no ambiente de trabalho corporativo e caindo em questões de ascensão profissional vs a vida pessoal. Ou seja, ele vai do macro ao micro em poucos instantes, diversas vezes. Parece cansativo, mas não é. Os assuntos estão todos entrelaçados nessa trama que cai cada vez mais no absurdo e no surreal. Talvez seja a melhor maneira de expor alguns problemas, se afastando do que é comum para a gente. Na parte final do filme nos sentimos em um filme da Troma (produtora de filmes de terror trash dos anos 80). E num ato quase contraditório, é quando as críticas se tornam mais explícitas.
O filme não é perfeito pois algumas - poucas - piadas acabam não funcionando como deveriam e um subplot específico de triângulo amoroso fica perdido e não chega a lugar nenhum. Mas com a ajuda de todos os atores que dão as mãos para o diretor/roteirista e se jogam na loucura toda, os personagens se tornam de fato pessoas que nos apegamos e torcemos. É muito fácil gosta do protagonista, de sua namorada e de seus amigos. Até mesmo o antagonista vivido por Armie Hammer (em seu melhor papel aqui) é carismático. Lakeith Stanfield e Tessa Thompsom se tornaram dois queridinhos meus. Seus currículos são exempláveis. Steven Yeun e Jermaine Fowler merecem ser mencionados também.
Com personagens palpáveis dentro da insanidade, um tom cômico quase perfeito, efeitos práticos que ajudam a história a chegar no ponto "trash" que ela queria desde o início e uma direção de dar gosto e que sabe muito bem o que faz, Sorry To Bother You é talvez a melhor comédia de 2018. Vida longa a Boots Riley.
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