Dirigido por Lars von Trier
Daí vem o tal filme polêmico do ano. O principal deles. Do diretor mais polêmico atual. Claro que dividiu o público. É quase impossível ficar indiferente a qualquer obra dele. Eu sou do time otimista. Que o Lars Von Trier tem posturas pessoais morais contestáveis a gente não tem como negar. Jamais contestarei isso. Mas enxerguei esse filme dele como uma “autobiografia autocrítica sarcástica sob o olhar de terceiros”. Trouxe um novo olhar sobre o diretor.
O serial killer protagonista, Jack, é uma pessoa, além de mentalmente problemática e perturbada, extremamente preconceituoso e misógino. Um cara com valores morais completamente deturpados. A forma como ele tortura psicologicamente suas vítimas (em sua grande maioria mulheres) é que entrega isso. Em um caso específico ficamos muito incomodados tamanho abuso sobre uma de suas vítimas. Assim, o filme poderia ser entendido como, ou ele mostrando seu lado mais sombrio como ser humano ou tentando tirar sarro da forma como as pessoas o enxergam. Eu acho que tende mais para a segunda opção por alguns momentos chaves do filme.
No início, no primeiro caso, parece que vai ser um filme tentando justificar e botando a mulher como culpada pelo seu temperamento (ou falta de). Mas passada essa primeira parte, vamos entendendo a lógica (ou falta de, de novo) que ele vai construindo. Inclusive em um momento ele questiona uma de suas vítimas sobre o homem ter que ser sempre o culpado e a mulher a vítima. Sob um olhar direto e grosseiro, é nojento. Fato! A idéia é errada e julgável! Mas se a gente contextualizar na obra e entender que quem diz é o personagem, nitidamente perturbado e fora da realidade, retratado com um humor escancarado, e não é um posicionamento defendido pelo o filme em si, conseguimos engolir. O personagem central, o verdadeiro vilão é misógino, não o filme. Tantos e tantos filmes fazem isso por ai. Scorcese e Tarantino brincam com isso desde sempre. O problema é ser do cara que disse que até entende Hitler. Ai complica. E aí que me pego querendo retirar tudo que disse em defesa de The House That Jack Built.
Basicamente, ao longo do filme, ele narra seus casos de assassinato em uma conversa com um personagem misterioso. Esse personagem sempre o rebate e mostra o quão desprezível ele é. Leia-se como se Jack fosse Lars e Virgílio (o tal amigo misterioso) a crítica/público. Além dessas quebras em que Virgílio traz a gente de volta para o mundo real e com o mínimo de moral e ética, temos até uma auto-homenagem (?) com cenas dos seus filmes anteriores, em um segmento em que ele questiona a violência, gratuita ou não, nos filmes. A associação sem muito nexo que as pessoas tendem a fazer entre gostar de violência no cinema e ser uma pessoa que gosta de tortura. Acho muito mais contestável alguém que prefere ver casos de morte em vídeos de Youtube ou quando passa por acidente diminui a velocidade para ver a carnificina. Nesse ponto estou com Jack!
Ele também sempre compara morte e arte. E talvez a parte em que fica mais escancarado que pelo menos ele não se enxerga dessa maneira é a última cena junto com a música que entra nos créditos finais. Atentem para a letra da canção. Esse Lars sádico e repugnante não tem vez! Tudo com bom humor, por mais controverso que seja esse conceito em um filme desses. Enfim, são muitas formas de ver. Sem contar também todo o tom de humor que o filme possui. Ele não se leva a sério em momento algum e fica nítido que o diretor tem consciência de que criou um personagem brutal e cinematográfico. Se o filme não tem um tom de seriedade como em praticamente todas as suas obras anteriores, por que o público quer levar tão a sério? Não valeu esse estudo de 2h34 sobre arte e violência?
E claro, para quem conhece a filmografia dele ou até mesmo esse universo de filmes pesados e gráficos demais, sabe muito bem que A Casa Que Jack Construiu não chega nem perto de muita coisa por ai. Esperava muito mais gore. Anticristo e até mesmo Ninfomaníaca são mais pesados que esse aqui. Justamente pela tom sóbrio de ambos. Aqui Von Trier bebe inclusive da mesma fonte que Tarantino bebe, colocando diálogos engraçadinhos e fora de contexto.
Tecnicamente está tudo lá, o pacote Trier todinho. Mesmo estilo de filmagem e mesma forma de explorar o lado sombrio humano. A última parte tem uma fotografia impecável. Linda mesmo. Lembra Anticristo com aquelas câmeras super lentas e praticamente quadros pintados em movimento.
Saldo final: eu amei. Alguns podem se ofender bastante. Mas acho que mais pela idéia de quem realizou o filme do que pelo filme em si. Quem não conhece muito sobre a pessoa Lars Von Trier, tem mais chance de gostar. Eu não vejo como fazer um filme sobre violência sem mostrar violência.
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