Mais um filminho de antologias para a conta. Dessa vez, Tokyo!, filme de 2008 com três histórias que não se interconectam de forma alguma a não ser o retrato da cidade de Tóquio sob diferentes perspectivas. O destaque aqui são os renomados e controversos diretores de cada conto. Por serem diferentes propostas, só me resta falar separadamente de cada história.
Interior Design, dirigido por Michel Gondry
Nessa primeira passagem é onde temos o teor mais cômico de todo o filme. Um casal recém chegado em Tóquio fica hospedado no apertado apartamento de uma amiga até achar algum lugar para morar e conseguirem um emprego. É um enredo aparentemente simples e bobo, mas conforme os minutos vão passando, nas sutilezas do roteiro é que vamos pescando uma maior complexidade sobre o tema tratado. Esse curta questiona basicamente o que realmente importa, o que você faz ou o que você ama? Como esses pontos se correlacionam e o peso que isso pode gerar na mente de uma pessoa. Ele mescla muito bem humor e drama com uma narrativa leve. O casal principal é extremamente relacionável, o que gera maior facilidade para desenvolver um senso de empatia e apego pelos dois.
Mas por ser um filme de Michel Gondry, o mesmo de O Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, tínhamos que ter um toque surrealista nessa história, o que eleva o filme de uma simples história para uma visão mais divertida e intrigante sobre uma questão cotidiana na cabeça de praticamente todo jovem adulto. A mudança repentina que acontece no terceiro ato pega o público desprevenido e seu final faz todo o sentido ainda que dentro de uma aparente loucura. E espertamente, o título dessa história poderia ser a frase final do filme e diz muito sobre a realidade da personagem central. Agradável e divertidíssimo.
Merde, dirigido por Leos Carax
Só havia assistido a um filme desse polêmico diretor, e justamente o filme seguinte a esse. Então fica difícil me basear em sua assinatura pra fazer qualquer comentário. Apesar de isso ficar claro tanto em Tokyo! quanto em Holy Motors de 2012.
O francês tem uma forma muito peculiar e quase abstrata de contar suas histórias, seguindo uma certa unidade com a vibe surreal do primeiro conto. Acompanhamos a rotina de um "ser" que vive nos esgotos de Tóquio e que quando resolve sair e andar pelas ruas causa um verdadeiro pânico, empurrando pessoas nas ruas, roubando suas coisas e mostrando uma agressividade absurda ainda que mantendo seu caminho. Em uma de suas saídas ele causa uma destruição forte na cidade, gerando muitas mortes. O acabam prendendo e ele é julgado, não sem antes conseguir um advogado francês de defesa, que parece ser um dos únicos de sua espécie no mundo e o único que consegue se comunicar com ele. Contando assim não parece tão interessante, mas quando vemos toda a fisicalidade e a própria língua criada para o personagem, interpretado pelo ator Denis Lavant, que entendemos o brilhantismo dessa história. Esse ator é um desbunde em termos de entrega para o papel. O cara dá um show e te deixa hipnotizado por esse bicho que remete tanto a um corcunda de Notre Dame versão dark quanto ao Smiggle de Senhor dos Anéis. Um ser grotescamente intrigante. E todo o desenrolar da história toma proporções globais e entrega um final misterioso, que causa uma quebra na forma comum de se contar uma história. Um estudo de ator/personagem fora do óbvio e fora da cotidiana linguagem cinematográfica. Esse personagem volta a aparecer em Holy Motors, seu filme seguinte.
Shaking Tokyo, dirigido por Joon-ho Bong
Dos três, meu diretor preferido. O cara tem no currículo The Host, Memories of Murder, Mother, Okja e Snowpiercer. Tê-lo em um filme de antologias é uma honra. E claro, não fez feio e entregou o melhor curta de todos, pelo menos tecnicamente falando.
Um homem que vive recluso em casa e livre de qualquer contato visual humano há 10 anos, um belo dia se vê apaixonado por uma entregadora de pizza que tem um desmaio em sua casa após um terremoto na hora da entrega. A partir daí ele tem que superar todos os anseios que adquiriu nesse período afastado da sociedade e ir em busca dessa mulher. Com essa sinopse não conseguimos perceber que o filme fala, principalmente, de como a tecnologia faz com que as pessoas se tornem cada vez mais introspectivas e vivam dentro do seu próprio mundo. Isso beira o patológico, pelo menos nesse conto. Um acerto preciso em se tratando da capital japonesa, onde a depressão e a taxa de suicídio é ainda muito alta.
A saga do personagem central é feita com muita paciência e um estilo quase minimalista. Pode ser um pouco tedioso, tamanha calma da direção em nos introduzir ao mundo desse homem. Mas não podemos negar que essa postura do diretor vai em total sintonia com a idéia de um homem recluso, que tem TOC e vive uma vida com uma rotina extremamente limitada. O final é muito sutil e belo e simples. Não foi o meu preferido em termos de entretenimento, mas como pedaço de arte, talvez seja o melhor dos três.
No geral Tokyo! é um ótimo exemplar de como criar um longa com uma coleção inteligente e de altíssima qualidade de curtas, sem nunca deixar a peteca cair e manter um nível artístico elevado. Como diz no próprio cartaz do filme: um filme que possui como temas, transformação, anarquia e renascimento. Tem tudo isso e mais um pouquinho. Merece mais destaque.
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