Dirigido por Jeremiah Zagar
We The Animals é um belo exemplo do que há de melhor no cinema "indie". Autoral e com um pé no documental, o filme consegue deslumbrar visualmente com muito pouco.
Lindamente fotografado, com um granulado e cores que tem um papel bastante didático, os realizadores conseguem trazer uma veracidade para tudo que vemos na tela. Não existe exagero no design de produção aqui, tudo é como é na vida real. O diretor encontra beleza no banal, no cotidiano. Dá a impressão de que não houve trabalho algum na direção de arte, encontraram as locações e deixaram como estava. Esse é o melhor tipo de arte que um filme possa ter, o que se camufla. A luz e os cenários naturais somam forças e formam uma mise en scène nota A.
Esteticamente, o filme vai além da naturalidade e adiciona elementos gráficos que se intercalam com a narrativa nua e crua. O protagonista tem o hábito de desenhar como forma de diário. Ao invés de palavras ele usa imagens. E esses desenhos tomam vida ao longo do filme, nos colocando mais a fundo na cabeça do menino. Essas inserções gráficas junto com a emocionante trilha sonora que também sabe se colocar (e "não se colocar") transformam We The Animals numa peça de arte. Ainda mais quando entramos no campo da narrativa.
Podemos dizer que é um "coming of age" desesperançoso. Só que lindíssimo ao mesmo tempo, tamanha sensibilidade do roteiro em entender o universo dessa criança que só pode ter sido desenvolvido a partir de uma experiência real. Seguimos a perspectiva de uma criança de 9 anos, seus dois irmãos mais velhos e seus pais problemáticos, vivendo a margem de uma vida economicamente estável. O olhar é sempre a partir do protagonista, então nos momentos mais intensos de briga dos pais, por exemplo, nós só escutamos, junto com Jonah o que está acontecendo, e a partir disso construímos a história. Lembra um pouco o que foi feito em Projeto Flórida, nesse sentido. É perfeitamente retratada a dor e angústia desse menino ao longo do filme. Ele sempre está com um semblante triste e deslocado. Vamos percebendo que além de toda essa triste realidade em que ele vive, existe algo que o deixa frustrado. Isso vai ficando claro ao longo do filme, sem pressa.
Com breves momentos de ternura, quando o protagonista esboça um sorriso e demonstra um pingo de felicidade (especialmente perto do final, numa cena puramente catártica para Jonah mas angustiante para o público, pois temos ideia do que pode vir a acontecer após isso) é que o diretor encontra a força pra arrancar lágrimas do espectador. A gente sabe e sente que as chances de dar tudo certo são pequenas. Não é um filme otimista. Mas estamos com ele naquela corrida para casa. Sentimos o coração dele pulsando forte acompanhado do seu sorriso de realização. Nos sentimos crianças rapidamente. É uma cena rápida, mas uma das melhores de 2018.
Os temas retratados são impactantes por si só, como a descoberta da sexualidade precoce mas "compreensível", entendendo o quão soltas essas crianças são, o abuso doméstico em relação ao pais das crianças mostrado de forma muito caótica, e o abandono familiar, seja do casal entre si, como dos próprios pais em relação aos filhos. Fica evidente o despreparo desse casal, tanto emocional quanto econômico, de ter três filhos. Ainda existe uma breve discussão sobre homofobia internalizada. Tudo isso vem a tona e nos deixa pensando bastante tempo depois que o filme acaba.
We The Animals te toca, te deixa melancólico, te faz refletir e ainda serve, de quebra, como uma pequena lição de empatia. De novo, melhor tipo de cinema não há. Selo de filmaço aprovado!
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