Dirigido por Andrew Dosunmu
Sempre simpatizei com Michelle Pfeiffer, de graça mesmo. Quando vi o trailer para esse filme entendi que era uma performance despida de qualquer tipo de vaidade, já fiquei animado. Já to esperando pequeno e independente filme há muito tempo.
Where Is Kyra? é um drama sobre uma mulher que perde a mãe e se vê completamente sem perspectiva de conseguir um emprego para se manter. Acompanhamos toda a luta dela ao contar centavos, literalmente, e se virar como pode. É uma realidade pertinente e atual, ainda mais quando vemos as barreiras que ela tem que enfrentar. Em alguns casos não a contratam por não ser mais uma jovem menina para ser garçonete. Esse pequenos tapinhas vão acontecendo bem sutilmente ao longo dessa jornada. Rolam até críticas suaves (com consequências não tão suaves assim) à burocracia que os bancos e o próprio governo americano cria, aparentemente, a fim de dificultar a vida das pessoas. Não muito diferente do nosso Brasilzão aqui. Daqueles que dão raiva mesmo. Tipo Eu, Daniel Blake, filmão de 2016.
A interpretação de Pfeiffer surpreende positivamente pois o filme fica todo nas suas costas. Ela nos brinda com momentos lindos e emocionantes, onde a câmera fica grudada em um close em seu rosto, durante um diálogo de seus 5 minutos mais ou menos. Nas pequenas expressões faciais conseguimos sentir sua dificuldade para pedir ajuda ao seu ex marido. Seu passado é um pouco nebuloso, mas daqueles em que peças suficientes são jogadas pra gente, e conseguimos construir uma base para sua história. Não precisamos de detalhes. Michelle consegue montar toda essa complexidade em um dos melhores papéis de sua carreira. Sou fã! Kiefer Sutherland também é outro que pega a gente de surpresa com um personagem carismático e bom moço, diferente do que ele costuma fazer. Os dois estão convencem com sua química deturpada ao longo do filme.
Mas o grande destaque vai tanto para a criativa e minimalista direção quanto para a fotografia absurdamente linda. É tudo muito escuro e claustrofóbico. Os movimentos de câmera são contidos e só são utilizados quando necessário. É um filme lento, quieto, pequeno. Ao mesmo tempo que os planos são desconstruídos e fogem do óbvio. Lembra um pouco a serie Mr. Robot, onde personagens são colocados no canto dos planos, ampliando essa sensação de enclausuramento. Sem contar os closes fechados com muita profundidade de campo, onde o foco é preciso no rosto ou em algum detalhe e todo o resto fica bastante desfocado, ou vice versa. As cores são chamativas porém densas. Ele usa o vermelho e o amarelo de um jeito tão elegante que nos pegamos o tempo todo babando nas cenas, podendo até nos distrair da história, de tão lindas que são essas verdadeiras pinturas. As vezes entra uma câmera lenta, em perfeitos momentos chaves. A montagem que te faz duvidar do que está acontecendo, pois além do drama vivido pela protagonista temos um mistério ao longo do filme que não dá para falar sem entregar spoilers. É tudo muito bem cuidado, dá gosto de ver. Raras as vezes em que conseguem atingir esse nível de requinte.
Where is Kyra? é um filme super devagar para os mais ansiosos mas que tem a proeza de transformar um drama carregado, e até mesmo deprimente, em um suspense na sua cena final que me fez ficar na ponta do sofá, literalmente. Se você consegue entrar naquele universo ao longo dessa morosa jornada, é inevitável não ficar com o coração na mão e as unhas nos dentes na conclusão do filme.
Só não leva 5 luas pois merecia uma trilha sonora mais forte e presente, e não só nos momentos específicos em que entra (que são excelentes por sinal). Queria essa música do trailer durante o filme. Aí sim.
Pra quem é paciente com filme lento, assista pra ontem!
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